De tanto que se fala em meditação e atenção plena, às vezes, parece que todos sabemos o que é, como funciona e até já decidimos (muitas vezes, sem experimentarmos com o apoio e acompanhamento devidos) que não é para nós. Certo?
Por saber disto mesmo, não só respondo a algumas perguntas frequentes sobre meditação e atenção plena aqui, como decidi reunir e partilhar, neste artigo, algumas fontes que consultei sobre o tema e que reforçam a importância destas práticas na manutenção da saúde mental.
É que mesmo que a nossa saúde física esteja perfeita (sabe-se que a prática de exercício físico pode ajudar), nunca nos sentiremos bem se a nossa saúde mental estiver a dar sinais, isto é, se andarmos mais angustiados, preocupados, irritados, ansiosos ou tristes do que o habitual. Porque, sim, é normal vivermos períodos com estes sintomas, faz parte da vida. O que não é normal nem saudável é quando vivemos nesses estados durante períodos prolongados, e quando já não nos conseguimos lembrar bem de como éramos quando não estávamos sempre tristes, com pensamentos negativos e ansiosos, por exemplo.
“Dedicamos muitos esforços à melhoria das condições exteriores da nossa existência, mas, afinal, é sempre o nosso espírito que vivencia o mundo e o traduz sob a forma de bem-estar ou de sofrimento. Se transformarmos a nossa maneira de perceber as coisas, transformamos a qualidade da nossa vida. E essa mudança resulta de um treino do espírito a que chamamos meditação”.
Matthieu Ricard, in “A Arte da Meditação”, p. 15.
Como se sabe, usa-se hoje a palavra “meditação” para significar diferentes práticas, o que pode levar a alguns mal-entendidos. Neste caso, estou a usar o termo para me referir à meditação transpessoal, zen, também habitualmente designada como meditação mindfulness.
A meditação apresenta-se como um recurso valioso devido à sua capacidade reconhecida de permitir uma observação sustentada, ou seja, do “dar-se conta”, tão necessário a quem atravessa períodos de maior escuridão. Por outro lado, quando se sai de um período de meditação, mesmo que breve, o mais frequente é notar-se uma alteração do estado emocional, o qual tende a ficar mais calmo, lúcido, equilibrado, com uma sensação de renovação e, até, bem-estar.
Evidência científica
Através de diversas pesquisas levadas a cabo nas últimas décadas, não só ficou a perceber-se que estes benefícios resultam do facto de ocorrerem alterações das ondas cerebrais em estados de profundo relaxamento, como também se passou a dispor de cada vez mais evidência que suporta a recomendação de meditação a quem sofre de alguns problemas de saúde mental.
Com efeito, de acordo com uma meta-análise publicada em 2021, em que foram analisados 419 ensaios clínicos envolvendo cerca de 500 mil participantes integrados em três grupos distintos (pessoas com problemas de saúde mental, pessoas com problemas de saúde física e pessoas que gozavam de boa saúde em geral), concluiu-se que técnicas como a atenção plena, a meditação e a respiração consciente aumentaram o bem-estar em todos os grupos. Verificou-se que mesmo períodos curtos de meditação ajudaram a reverter os efeitos epigenéticos negativos induzidos pelo stress e os meditadores revelaram também um aumento de massa cinzenta no hipocampo, lobo frontal e outras áreas do cérebro envolvidas nos processos de aprendizagem, memória, regulação emocional, perceção, interpretação, humor e perspetiva (Agteren et al., 2021).
Sabe-se que o stress e a ansiedade estão entre os principais gatilhos da depressão, e a meditação pode contribuir para alterar a reação a esses sentimentos, porque treina o cérebro a manter um foco sustentado (por exemplo, na respiração) e a regressar a esse foco quando pensamentos, emoções e sensações físicas se intrometem. Além disso, sabe-se também que a meditação altera certas regiões do cérebro especificamente ligadas à depressão, como é o caso do córtex pré-frontal medial (zona do cérebro onde a pessoa processa informação sobre si mesma, as suas preocupações sobre o futuro e pensamentos sobre o passado), o qual fica hiperativo em quem está deprimido, e a amígdala (parte do cérebro responsável pela resposta de luta ou fuga perante uma situação de medo). Estas duas áreas do cérebro como que se boicotam mutuamente, contribuindo para a depressão, mas a prática da meditação ajuda a quebrar a ligação entre ambas. Ou seja, quando se medita consistentemente é mais provável que se consiga evitar ir atrás das sensações negativas de stress e ansiedade, deixando de lhes reagir, o que contribui para controlar a ansiedade e, consequentemente, a depressão (Harvard Medical School, 2021).
Está igualmente bem demonstrado o contributo do mindfulness para evitar a recorrência de depressão. Por exemplo, Kuiken et al. (2016) conduziram uma meta-análise para avaliar a eficácia da Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT, na sigla em inglês) em comparação com os tratamentos habituais, incluindo fármacos antidepressivos, para tratar pessoas com depressão recorrente, tendo concluído que a MBCT parece eficaz como tratamento para prevenção de recaídas, sobretudo no caso de pessoas com sintomas residuais mais vincados.
Sustentado pela crescente evidência científica, o reconhecimento do contributo da meditação já é feito ao nível das autoridades de saúde de alguns países, como é o caso do Reino Unido. Aqui, as recomendações clínicas do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) incluem a meditação e o mindfulness como opção de tratamento a considerar em episódios de depressão pouco graves e para prevenir recaídas (NICE, 2022).
Integração – o caminho do meio
É importante deixar claro que os casos em que há um diagnóstico de doença do foro mental devem ser acompanhados por profissionais de saúde qualificados, nomeadamente, por psiquiatras e psicólogos, e os benefícios da integração da prática da meditação e da atenção plena devem ser por estes avaliados.
Nos restantes casos, em princípio, a integração da prática numa estratégia holística de cuidados costuma trazer inúmeras vantagens e benefícios a quem dedica tempo diário a estar em contacto consigo e com as suas emoções, cultivando a permanência no momento presente.
REFERÊNCIAS
Agteren, J. van et al. (2021), “A Systematic Review and Meta-analysis of Psychological Interventions to Improve Mental Wellbeing”, Nature Human Behavior, 5: 631–52.
Harvard Medical School (2021), “How meditation helps with depression”, Harvard Health Publishing, data de edição: 12/02/2021, disponível em: https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/how-meditation-helps-with-depression, acedido em: 19/01/2024.
Kuiken, Willem et al. (2016), “Efficacy of Mindfulness-Based Cognitive Therapy in Prevention of Depressive Relapse – An Individual Patient Data Meta-analysis From Randomized Trials”, JAMA Psychiatry, 73(6): 565-574.
NICE – National Institute for Health and Care Excellence (2022), “Depression in adults: treatment and management”, NICE Guideline [NG222], data de publicação: 29/06/2022, acedido em: 19/01/2024.
Ricard, Matthieu (2010), A Arte da Meditação, Lisboa, Editorial Presença.
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