Há diversas formas de contribuir para um processo terapêutico e uma delas é bastante simples, acessível, e até pode ser um prazer, pois recorre à leitura. Neste artigo, explico o que é a biblioterapia e como pode ajudar.
É possível que já tenha sentido, de alguma forma, o poder da biblioterapia, mesmo que não se tenha dado conta. Tal acontece quando, por exemplo, a mensagem de um livro nos leva a perspetivar de maneira diferente uma determinada questão com que nos debatemos. Ou nos ajuda a processar – e até a fazer a catarse – de emoções. Também quando nos fornece pistas para descortinar e assumir os nossos próprios pensamentos e sentimentos. Ou, até, nos momentos em que nos permite sentir que há outras pessoas como nós, com vivências e questões idênticas às nossas.
Em todas estas situações, sentimos o poder da biblioterapia. A diferença é que, nestes casos, não houve uma “prescrição” nem há um acompanhamento que ajude a pessoa a dar-se conta e a integrar os efeitos da leitura.
O que é biblioterapia?
Biblioterapia é o uso terapêutico da leitura para promover saúde emocional, autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. A palavra deriva do grego biblion (livro) + therapeia (cura), e o termo aparece cunhado pela primeira vez, em 1941, pelo dicionário especializado norte-americano Dorland’s Ilustrated Medical Dictionary, onde é definido como “o emprego de livros e a sua leitura no tratamento de doença nervosa”.
Embora, hoje, a prática da biblioterapia seja vista como uma novidade por muitas pessoas, a verdade é que tem raízes antigas, como referem Alonso-Arévolo et al. Por exemplo, os gregos antigos acreditavam de tal forma que a literatura tinha importância espiritual e psicológica, que era usual colocarem uma placa por cima das portas das suas bibliotecas com a inscrição “Medicina para a Alma”.
Também nos séculos XVIII e XIX, a leitura estava bastante difundida nos hospitais psiquiátricos de Inglaterra, França, Alemanha e Escócia, ao ponto de ser prescrita a doentes internados como parte da terapia. Mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial, a leitura foi também utilizada para cuidar dos soldados feridos na linha da frente, ao observar-se que esta prática lhes proporcionava paz e alívio. Para tal, começaram a ser implementados grupos de leitura terapêutica, espalhando-se depois para outros grupos e países.
Para que serve?
A biblioterapia não substitui tratamentos médicos ou outros, porém, pode ser uma forte aliada terapêutica. Entre os seus principais benefícios estão:
Redução do stress e ansiedade – Ler histórias que espelham os nossos sentimentos pode trazer alívio e compreensão.
Promoção do autoconhecimento – Ao identificar-se com personagens e narrativas, o leitor acaba por refletir sobre si mesmo.
Desenvolvimento da empatia – A leitura de diferentes perspetivas estimula a compreensão do outro e de nós mesmos.
Fortalecimento da autoestima e autocompaixão – Ao reconhecer-se nas histórias, o leitor pode sentir-se mais capaz, valorizado e suscetível de compreensão.
Apoio em momentos difíceis – Os livros podem ser companheiros em situações de luto, depressão, mudanças de vida ou crises existenciais, entre outras.
Estímulo à criatividade e imaginação – A literatura abre portas para mundos internos e externos, ampliando horizontes.
Melhoria da expressão emocional – A leitura – aliada à escrita terapêutica ou reflexiva – ajudam a nomear e compreender emoções, promovendo uma comunicação mais saudável.
Como funciona na prática?
Podemos usar a biblioterapia de várias formas:
Prescritiva: O facilitador recomenda livros específicos com base nas necessidades do leitor.
Expressiva: O leitor escolhe livremente o que ler e reflete sobre a leitura.
Criativa: Inclui escrita terapêutica, como diários (journaling), cartas, reflexões ou contos inspirados nas leituras.
Por exemplo, nas minhas sessões de Terapia Transpessoal, é comum integrar biblioterapia e escrita terapêutica, de acordo com as necessidades da pessoa e a predisposição e interesse desta para explorar aquelas vertentes.
Exemplos de livros usados
Ainda que qualquer livro tenha um potencial terapêutico, tendemos a usar alguns géneros literários em detrimento de outros:
Romances introspetivos (como A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera);
Ficção sobre temas existenciais (como O Cavaleiro da Armadura Enferrujada, de Robert Fisher);
Literatura infantil para adultos (como O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry);
Poesia (como os poemas de André Tecedeiro, Rupi Kaur ou Fernando Pessoa);
Autoajuda e filosofia prática (como A Arte da Possibilidade, de Rosamund Stone Zander e Benjamin Zander);
Psicologia (como O Homem em Busca de um Sentido, de Viktor E. Frankl).
A biblioterapia é para todos?
Sim, pode ser. Podemos adaptar a biblioterapia a todas as idades, desde crianças e adolescentes, a adultos e idosos. De igual forma, também podemos usá-la junto de diversos públicos-alvo, por exemplo, em contexto terapêutico, mas também em escolas, prisões, empresas ou em casa. O único requisito é abertura para mergulhar nas palavras e deixar-se tocar por elas.
Em suma, a biblioterapia é uma prática discreta e poderosa, que reconhece o valor terapêutico da leitura — não para esconder a dor e o sofrimento, mas para os compreender. Esta prática faz uma ponte entre o mundo interior e o universo dos livros, tornando a leitura num potencial ato de cura.
Referências bibliográficas
Alonso-Arévalo, J. et al. (2020). Beneficios de lectura sobre la salud y el bienestar de las personas. Estudio sobre aspectos preventivos de la lectura. Lisboa, Associação Portuguesa de Documentação e Informação de Saúde (APDIS).
Fraga Azevedo, Fernando e Haydê Oliveira, Karla (2016). Práticas e discursos académicos sobre biblioterapia desenvolvidas em Portugal. Álabe 14. DOI: 10.15645/Alabe2016.14.6.
Ouaknin, Marc-Alain (1998). Bibliothérapie. Lire, c’est guérir, Paris, Seuil.